domingo, 21 de fevereiro de 2010

TURMA 702


MEU TIO RICARDO LÚCIA BENEDETTI

Meu tio Ricardo chegava sempre à noite. Ninguém me dizia nada, nem eu perguntava. Mas, pelo rosto contente de minha avó, pelo modo agitado com que ordenava que deixassem o bule de café sobre o fogão, que recolhessem as costuras do quarto da frente, que limpassem os vidros, enfim por um milhão de ordens miúdas, umas sobre as outras, eu adivinhava que meu tio amanheceria em casa no dia seguinte.
Uma bela manhã eu acordava e dava com meu tio sentando à mesa, fazendo cigarro de palha, contando coisas impressionantes do sertão. Gostava de ouvir as histórias de tio Ricardo. Ele falava sempre devagar, enquanto amassava o fumo no côncavo da mão, e , sempre no momento mais emocionante da história, fazia uma longa pausa, procurava o fósforo nos bolsos, acendia o cigarro, tirava uma tragada. E nós esperando, com o coração aos pulos. Depois, então, como se só naquele momento tivesse dado conta da nossa presença, retomava o fio da conversa. Eu sabia que tio Ricardo não contava aquelas história para mim. Contava-as para as pessoas mais velhas, que entendiam tudo. Mas quando eu escutava a voz pausada e grava de tio Ricardo, corria para um canto qualquer, enroscava-me humildemente no soalho e não perdia uma só palavra.
Lembro-me de uma história de onça. Aquela era a melhor de todas. Tio Ricardo contava-a como ninguém. Era caso de uma onça que parara na estrada para olhar o luar. Tio Ricardo tinha ido











comer jabuticabas no mato. Custara achar o lugar onde havia os frutos. Quando dera pela coisa, já estava anoitecendo, mas não desistira. Tinha levado uma lata de querosene vazia, para trazer jabuticabas para o acampamento. Enchera a lata e vinha muito contente pela estrada. Tio Ricardo dizia que o luar naquela noite era a coisa mais linda que se possa imaginar. Ninguém no mundo tinha jamais visto coisa igual. Era um luar tão claro que parecia madrugada. Tio Ricardo vinha muito contente pela estrada quando viu um vulto claro bem no meio do caminho. Não lhe deu importância. Foi chegando perto. Quando já estava bem pertinho, levou um susto medonho, porque era onça. Uma onça enorme, toda malhada, que tinha ido para o meio do caminho, ver o luar. Nesse ponto tio Ricardo enrolava o cigarro. Depois procurava os fósforos. E a gente firme, esperando, com o coração pulando de aflição. Tio Ricardo não trazia uma só arma. Nem um pedaço de pau. Só a lata com as jabuticabas. Então, que fez? Despejou silenciosamente as jabuticabas no chão. Aproximou-se bem da onça, bem pertinho, bem pertinho. A onça distraída, olhando a lua. Quando estava bem junto dela, deu um formidável soco na lata – bum! A onça se espantou e correu. Tio Ricardo dizia que ele também correra. Cada um para o seu lado.
(Contos e Novelas, Seleção de GRACILIANO RA-
MOS, 3.º vol., Livraria Editora da Casa do Estudante do Brasil, Rio de Janeiro, s/d.)

INTERPRETAÇÃO
1- Ninguém dizia nada, mas a menina adivinhava que o tio ia chegar:
( ) porque ele vinha em datas previamente marcadas
( ) pela alegria da vovó.
( ) porque os tios sempre visitam suas famílias
( ) porque ele chegava sempre de noite
( ) porque ele morava longe da família
2 – O quarto da frente era usado para fins diferentes, de acordo com a ocasião. Quais eram eles?
3 – “Uma bela manhã eu acordava e dava com meu tio Ricardo...”, isto é,
( ) tio Ricardo chegava sempre de manhã.
( ) tio Ricardo só aparecia em manhãs bonitas
( ) a menina só acordava cedo em manhãs belas.
( ) numa manhã qualquer, encontrava o tio em casa
( ) tio Ricardo gostava de passear em belas manhãs
4 – De onde chegava tio Ricardo?_________________________________________________
5 – Na opinião da menina, tio Ricardo:
( ) era mentiroso
( ) impressionava porque fumava demais
( ) era excelente contador de histórias
( ) sabia amassar o fumo como ninguém
( ) falava devagar e pouco
6 – Tio Ricardo:
( ) gostava apenas de falar de onças.
( ) era apreciado por adultos e crianças.
( ) falava por falar, indiferente aos que o ouviam
( ) só falava quando as crianças estavam ausentes
( ) só era apreciado pela menina
7 – Assinale as respostas corretas:
( ) Tio Ricardo era um excelente caçador
( ) É comum encontrar onças que apreciam o luar
( ) Tio Ricardo tinha imaginação muito fértil.
( ) Realmente, onças temem barulhos produzidos por latas de querosene.
( ) Tio Ricardo era um “grande papo”
8 – “Quando dera pela coisa” significa:
( ) quando encontrou a onça
( ) quando deu por si
( ) quando contou a história
( ) quando caiu a noite
( ) quando espantou a fera
9 – Tio Ricardo não morava no local por onde vagava a onça. Sublinhe a palavra que o prove:
luar - acampamento - correu - jabuticabas - lata - querosene

10 – Justifique sua resposta ao item anterior

11 – Por que Tio Ricardo estava contente?

12 – O que impressionou tio Ricardo, de maneira particular, naquela noite?

13 – O “vulto claro” que tio Ricardo viu na estrada era o: ( ) reflexo da lua
( ) da onça ( ) da sua própria sombra ( ) da lata de querosene ( ) da jabuticabeira.




14 –“... no momento mais emocionante da história, fazia uma pausa longa...”. “Nesse ponto, tio Ricardo enrolava o cigarro. Depois procurava fósforos”:
( ) tio Ricardo queria aumentar a ansiedade e o “suspense”.
( ) ele não podia deixar de fumar um minutinho
( ) o cigarro desenrolava muito
( ) tio Ricardo cansava-se logo
( ) um bom caçador não dispensa fumo e fósforos
15 – A onça que apreciava o luar:
( ) era romântica e sabia apreciar o belo ( ) era distraída
( ) estava quase dormindo ( ) não gostava de jabuticabas ( ) não temia caçadores.
16 – Que fez tio Ricardo para afugentar a onça?
17 – Para afugentar a onça, tio Ricardo precisou de:
( ) presença de espírito e sangue-frio ( ) uma arma afiada ( ) carabina e boa pontaria ( ) fugir sem que a fera o visse ( ) trepar na jabuticabeira e de lá atacar o animal.
18 – O caso que tio Ricardo contou pode ser considerado uma “história de caçador”? Sim? Não? Por quê?

19– Faça a correspondência das colunas, de acordo com os antônimos:
(a) chegava ( ) atenta
(b) perguntava ( ) partia
(c) agitado ( ) graúdas
(d) recolhessem ( ) respondia
(e) miúdas ( ) convexo
(f) presença ( ) pertinho
(g) anoitecer ( ) espalhassem
(h) desistir ( ) tranqüilo
(i) enchera ( ) ausência
(j) silenciosamente ( ) persistir
(l) medonho ( ) amanhecer
(m) côncavo ( ) esvaziara
( ) pequeno
( ) feio
( ) ruidosamente

Nenhum comentário:

Postar um comentário